
O primeiro turno da eleição presidencial chilena colocou no segundo turno a comunista Jeannette Jara e o conservador José Antonio Kast, numa disputa que expôs o profundo descontentamento com políticas de partidos de esquerda.
Jara ficou à frente com cerca de 26,8% dos votos, enquanto Kast obteve cerca de 23,9%, resultado que levou os dois para o segundo turno em dezembro.
A performance de Jara ficou muito abaixo das expectativas de pesquisas que a colocavam como favorita, e o resultado revela um eleitorado dividido e insatisfeito — sobretudo com o que muitos eleitores apontam como falhas nas políticas implementadas pela coalizão de governo de esquerda. Esse mal-estar é perceptível nas ruas e nas urnas: parte do eleitorado atribui à esquerda a incapacidade de responder com eficiência a problemas cruciais do cotidiano, como segurança, emprego e inflação.
A criminalidade e a sensação de insegurança foram temas centrais da campanha, mesmo com o Chile figurando entre os países mais seguros da região em alguns indicadores. A preocupação com ordem pública e imigração foi explorada pela direita como sinal de que as políticas de esquerda não teriam garantido proteção suficiente às comunidades — uma linha que impulsionou o discurso de Kast e atraiu eleitores jovens e conservadores.
Kast, que defende uma agenda conservadora e rígida em segurança e imigração, subiu ao palanque prometendo "mudança radical" na política de segurança, ecoando o descontentamento de eleitores que pedem medidas mais duras. Seus apoiadores afirmam que o país precisa de mão firme para restabelecer ordem, atrair investimentos e criar empregos — uma narrativa que tem encontrado ressonância em setores frustrados com a gestão da esquerda.
Do outro lado, Jara — ex-ministra do Trabalho e Previdência Social e candidata apoiada pelo presidente Gabriel Boric — tentou capitalizar o legado de políticas sociais do governo, propondo aumento do salário mínimo e expansão de programas de bem-estar.
Ainda assim, sua ligação com o Partido Comunista e o desgaste do governo Boric limitaram sua capacidade de atrair eleitores de centro, que hoje demonstram crescente ceticismo sobre as promessas de reformas de esquerda.
O pleito ocorre num contexto de desgaste político acumulado desde os grandes protestos de 2019 e uma sequência de eleições e pleitos que desgastaram a confiança nas instituições tradicionais.
A popularidade do governo Boric, que chegou a ostentar grande apoio após 2021, hoje se encontra bastante reduzida — um fator que ajuda a explicar o aumento do voto de punição contra a esquerda.
No Legislativo, a direita foi a força que mais cresceu, ampliando sua presença tanto na Câmara quanto no Senado, ainda que nenhuma força tenha conseguido maioria clara. Essa evolução parlamentar confirma um movimento mais amplo: eleitores castigando a centro-esquerda nas urnas e abrindo espaço para alternativas conservadoras que prometem restaurar segurança e estabilidade.
Com o país polarizado e o eleitorado dividido, o segundo turno será uma nova prova do clima de insatisfação: será uma corrida para ver se a promessa de maior ordem e austeridade de Kast convence a maioria, ou se a agenda social de Jara consegue reconquistar os moderados que hoje demonstram cansaço com a esquerda.
O que ficou claro no primeiro turno é que, além do resultado imediato, a votação reflete uma onda de descontentamento — no Chile e em muitos lugares da região — com políticas de partidos de esquerda que, aos olhos de uma parcela expressiva da população, não cumpriram plenamente as expectativas.